Discurso de Formatura da turma de Antropologia paraninfa Miriam Grossi
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Curso de Antropologia
Formatura da Antropologia
11 de fevereiro de 2021
Discurso da paraninfa Miriam Grossi
Gostaria inicialmente de saudar as e os colegas aqui presentes, em particular nosso
reitor, Prof Ubaldo Baltazar e as professoras Miriam Hartung, diretora do CFH e
Antonella Tassinari, coordenadora do curso de Antropologia, assim como a equipe
técnica de apoio à esta cerimônia.
Saúdo também quem nos acompanha virtualmente: colegas, familiares, amigas e
amigos que estão aqui para testemunhar este momento ritual, que a antropologia
chama de ritual de consagração, que é a formatura.
Foi com muita alegria que aceitei o amoroso convite de vocês, Max e Nicolle, para
acompanhá-los como paraninfa deste momento tão importante na vida acadêmica de
vocês, lembrando que estamos completando 10 anos de criação do curso de
graduação em Antropologia na UFSC.
Tive a felicidade de conhecê-los como estudantes, em diferentes etapas da formação
antropológica e é um prazer imenso vê-los acabando o curso nesta momento tão
particular de nossa história, marcada por esta pandemia.
Uma formatura é sempre um momento de festa, de júbilo pelo encerramento de uma
etapa muito significativa em nossa sociedade, a do diploma de graduação que
reconhece e legitima a prática profissional em um determinado campo de
conhecimento. Todavia, não podemos viver este momento com a alegria que sempre o
caracteriza pois estamos vivendo um momento de luto coletivo e global.
Como antropólogues que somos – e vocês estão aqui neste rito de passagem para
serem reconhecidos institucionalmente como tal – não podemos nos furtar a refletir e
analisar o momento histórico e suas implicações em nossa vida social e cultural.
Me inspiro no TCC de Nicolle e lembro que amanhecemos hoje, no Brasil, com o
número oficial de quase 235 mil mortos e uma média crescente de mais de 1.000
mortes por dia. Mesmo que este número seja impressionante, pesquisadores tem
mostrado que estes dados não representam a realidade, devido à subnotificação e por
muitos casos decorrentes de covid não serem registrados como tal.
A morte, durante este último ano em que vivemos a pandemia, se tornou parte de
nosso cotidiano e estamos no processo de aprender a como elaborar este luto
coletivo. Luto que as sociedades vivem em momentos excepcionais em suas histórias:
em guerras, em tragédias naturais e/ou tecnológicas. Este se dá agora pela presença
deste vírus que, por conta da destruição ecológica de nosso planeta, se tornou uma
ameaça de saúde pública global. Não é a primeira vez que um vírus abala a existência
da humanidade mas este é e será, sem dúvida, a grande experiência para nossa
geração (e aqui incluo crianças, jovens e velhos).
Muitos de nós tivemos casos de mortes em nossas redes familiares e de amigos de
pessoas infectadas por este terrível vírus, do qual pouco ainda se sabe. Obituários e
compartilhamentos de mensagens de tristeza e desalento se tornaram parte de nosso
dia a dia em redes sociais e outras formas de comunicação pública. São tantas e tantas
perdas, de pessoas próximas e mais distantes, que temos a impressão de viver em
permanente estado de vigília pois não nos tem sido possível velar e enterrar nossos
mortos, devido aos riscos de contaminação nas aproximações de corpos.
Não desejo, com estas notas sombrias, entristecer este momento, mas apenas
entendê-lo como pano de fundo da própria profissão que vocês escolheram, a de
antropóloga e antropólogo. Sei que vocês devem ter sido questionados inúmeras vezes
nestes últimos anos sobre o que era antropologia? Para que servia? O que fazia um
profissional desta área?
Apesar de ser um campo de conhecimento que se consolida junto com o
desenvolvimento da ciência contemporânea a partir do final do século XIX, o “pensar
antropológico” que implica na reflexão comparativa de quem somos face a “outros”
indivíduos e grupos, está presente em todas as sociedades do mundo e é o estudo
destas diferentes tradições culturais e teóricas que é a base de nossa profissão.
Uma profissão, que é também um campo científico pois todo trabalho antropológico
implica em investigar diferentes formas de pensar, agir e estar no mundo. As
pesquisas de vocês, que resultaram em Trabalhos de Conclusão de Curso, ilustram
alguns dos caminhos possíveis da antropologia contemporânea.
Esta temática da morte, que tem ocupado nossas vidas no último ano, é central na
pesquisa de Nicolle de Souza Andrade em seu TCC “Um trabalho como outro qualquer”
O corpo humano morto enquanto objeto pela perspectiva dos Coveiros de um
Cemitério Municipal da Grande Florianópolis, orientada pela Profa Flavia Medeiros.
Nicolle acompanhou e escutou coveiros, profissão que se tornou “essencial” e de “alto
risco” durante a pandemia. Seu interesse por este tema, veio de longe e reflete sua
preocupação em conhecer “outros mundos”. Lembrei, ao ler seu TCC, do memorial
que escrevestes na disciplina de Métodos onde contavas sua trajetória de vida com
ênfase na importância que o curso de antropologia tinha lhe dado para reconhecer e
compreender seus privilégios em nossa sociedade.
Já Maximiano Augusto Gonçalves Neto, que conhecemos como Max, estudou em seu
TCC Vivendo na “Caudalonga” do Spotify: Etnografando músicos com até 3.000
seguidores na plataforma digital, orientado pela profa Leticia Cesarino, um grupo para
mim desconhecido, apesar de seu trabalho mostrar o grande impacto que tem na
cultura de massas. Com Max vivemos momentos intensos da antropologia da UFSC:
estivemos com a turma de Métodos em trabalho de campo no 1o de maio de 2018 em
Curitiba no acampamento Lula Livre, no Congresso Mundial de Antropologia, o IUAES,
onde atuastes na comissão de tradução, nos re-encontramos no ultimo semestre, na
disciplina de Antropologia Brasileira, em um semestre que foi marco da retomada de
aulas na UFSC em modo virtual.
Finalizando os TCCs durante a pandemia, ambos tiveram de se curvar a novas
experimentações metodológicas e a pesquisa virtual foi a base de seus trabalhos. O
virtual, como instrumento de comunicação, de manutenção e de construção do social
está presente aqui também nesta formatura. Trata-se, na verdade da segunda
formatura virtual de antropologia – a primeira aconteceu no primeiro semestre,
apenas com a presença das e dos formandos. Esta é, todavia, a primeira que
efetivamente é performatizada como tal, com a presença de representantes de todas
as instancias oficiais da UFSC, de homenageados e de testemunhas. Provavelmente, e
já antecipando as mudanças que as experiências virtuais têm nos proporcionado, este
será um terceiro modelo de formatura na UFSC, além da formatura presencial e
formatura de gabinete.
Há 11 meses, desde 16 de março de 2020, estamos literalmente vivendo de forma
virtual. Mesmo que nos primeiros meses do isolamento as aulas tenham sido
suspensas, continuamos trabalhando em frente à tela do computador. Apesar das
críticas públicas feitas por representantes do legislativo e com eco na imprensa
catarinense, nunca estivemos tão engajados com a universidade pública e seu
compromisso com a sociedade mais ampla. Nunca trabalhamos tanto em nossas vidas.
Nunca lutamos tanto pelos recursos à ciência e à Educação pública em um governo
que insiste em negar a ciência e desqualifica o conhecimento.
Neste período, mergulhamos em universos desconhecidos da tecnologia e das relações
sociais, no qual as ciências humanas passaram a ter um papel muito importante para a
compreensão de comportamentos humanos decorrentes da obrigatoriedade de
isolamento, das regras de contato e das formas de socialização e controle sanitário às
quais fomos submetidos. Antropólogues tiveram que se debruçar sobre o covid para
mostrar que uma doença não é apenas biológica; que a saúde é parte da vida em
sociedade e que temos de entende-la para combater o vírus. Foi da antropologia que
surgiu o conceito de “sendemia”, ou seja que uma pandemia não é igual para todos os
corpos, mas que determinados grupos marginalizados são mais atingidos pelo vírus.
Aprendemos também a ensinar e aprender em aulas remotas, em um desafio
inimaginável de produção de conhecimento e de construção de outras formas de
relação docente/discente. Foi – e continua sendo – um imenso desafio. Mas já nos
acostumamos com esta “nova vida” virtual, que hoje é parte de nossa rotina. Vivemos
intensamente em frente e através de nossas telas de celulares, computadores, tablets,
televisões. Nem em romances e filmes de ficção científica, nem em nossas mais loucas
fantasias imaginávamos que estaríamos passando agora.
Muito se tem pensado sobre o “depois”, o “novo normal”, as formas de vida que se
abrirão depois deste longo período de hibernação. Quando se pensa em futuro,
lembro sempre de nosso querido professor Gilberto Velho em uma mesa redonda na
ANPOCS intitulada “O futuro das Ciências Sociais” em que ele brincava fazendo gestos
de quem consultava uma bola de cristal e dizendo que era impossível prever o futuro
da antropologia. Aqui estou eu, com minha bola de cristal virtual, tentando imaginar
qual será o futuro de vocês, jovens e brilhantes antropólogues? Inspirada por nosso
ancestral, peço licença para trazer aqui dados de minha mais recente pesquisa, iniciada
durante a pandemia, sobre astrologia e política.
Hoje, 11 de fevereiro de 2021 é dia de lua nova e de grande alinhamento de astros em
Aquario, em um fenômeno astrológico que se chama de stellium. Aprendi nas
inúmeras lives que tenho assistido nos últimos meses que a lua nova representa o que
se planta, para se colher mais adiante. Tanto a lua quanto Sol, Mercurio, Saturno,
Jupiter e Venus estão em Aquario, signo dos grandes sonhos e revoluções. Formar-se
neste dia aponta para muita energia e capacidade de comunicação (Mercurio), Amor
(Venus), Jupiter (leis, filosofia), Saturno (regramento, sendo de dever, o que deve ser
realizado). Que dia melhor para uma formatura? Que privilégio ter este mapa
astrológico como marca do nascimento, do inicio da carreira de vocês?
Penso, e desejo, que a antropologia que vocês praticarão será aquela que tem
consciência de que nosso lugar no mundo é fruto de quem nos precedeu. Além do
reconhecimento e respeito à linhagem da antropologia da UFSC, iniciada na década de
1950 por Oswaldo Rodrigues Cabral e continuada na década seguinte por Silvio
Coelhos dos Santos, Anamaria Beck, Neusa Bloemer, Maria José Reis e tantas outras e
outros que passaram a integrar a antropologia desde então e que foram as e os
professores de vocês, vocês honrarão os aprendizados que tiveram de que todo
conhecimento antropológico exige compromisso e engajamento com os grupos que
estudamos.
Vocês são grandes guerreiros e representam com a garra e determinação com a qual
enfrentaram a realização de pesquisa e escrita de um trabalho original em
antropologia. Certamente vocês irão longe, seja dando continuidade à formação
acadêmica em mestrado e doutorado, seja se engajando no trabalho mais prático de
apoio e formulação de ações para melhorar as condições de vida de grupos e
populações marginalizadas e discriminadas em nossa sociedade.
Sintam-se celebrados e abraçados virtualmente. Muito prazer em acolhê-los agora
como colegas, antropologues!